sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O legado do Woodstock

PROPOSTA DE REDAÇÃO:
Três dias de música, prática da liberdade, comunhão de espíritos... Afinal de contas, qual a maior contribuição que o festival deixou para a humanidade? Muitos acreditam que o mundo nunca mais foi o mesmo depois do evento; outros, que tudo retomou ao convencional. Herdeiro ou não, para você, o que Woodstock – ou em quê – contribuiu para as gerações que se sucederam? Woodstock deixou um legado?


Texto 1:

O legado de Woodstock
Por Celso Lungaretti em 01/08/2009

Ao longo deste mês, muito se mostrará, escreverá e falará sobre o transcurso dos 40 anos de um dos acontecimentos mais emblemáticos e alentadores do século passado: o Festival de Música e Artes de Woodstock.
Temo, entretanto, que os enfoques da indústria cultural fiquem entre o nostálgico e o pitoresco, como inimiga que foi e é dos ideais que se corporificaram nesse magnífico evento. Depois da efeméride inescapável, o que ela quer mesmo é remeter Woodstock para o arquivo morto por mais 10 anos.
Então, torcendo para que outros veteranos do sonho também o façam, vou discorrer sobre a vitalidade de Woodstock e os caminhos que nos aponta hoje e agora para a construção de um mundo melhor.
Para começar, uma constatação óbvia: Woodstock foi uma moeda que caiu em pé. Os deuses de todos os povos e de todos os tempos parecem ter-se mobilizado para que tudo desse certo durante três dias mágicos, maravilhosos, que seriam para sempre lembrados como uma amostra da perfeição possível neste sofrido planeta.
Sem favor nenhum, posso afirmar que Woodstock foi o evento musical que mais influenciou as artes e os costumes na história da humanidade. E a conjunção de fatores que o transformou em marco e lenda dificilmente se repetirá.
Mas não precisamos acreditar piamente na esnobada de Gilberto Gil: “quem não dormiu no sleeping bag nem sequer sonhou”. Apenas, levar em conta o que houve de específico nesse festival. Outros sonhos virão, com certeza. A História não tem fim, queiram ou não os Fukuyamas agourentos.
“SOME FLOWERS IN YOUR HAIR”
Para começar, o Festival de Woodstock foi o ponto de chegada e a culminância de vários fenômenos e acontecimentos marcantes.
A escalada norte-americana no Vietnã, ao longo da década de 60, engendrara um movimento pacifista de crescente influência entre os jovens dos EUA, com direito a manifestações de protesto, queimas de cartas de recrutamento, choques com a polícia e a uma manifestação-monstro de cerco ao Pentágono.
Em 1965, um estudante de química chamado Owsley Stanley aprendeu como fabricar ácido lisérgico no porão de sua casa e logo inundou San Francisco com o LSD, impulsionando o surgimento da geração das flores, imortalizada pela bela canção de Scott McKenzie: “Se você vier para San Francisco,/ não se esqueça de colocar/ algumas flores no seu cabelo…”
Foi aí que o movimento hippie nasceu, aglutinando jovens que recusavam o american way of life e caíam na estrada, em busca de aventuras e novas experiências.

Em termos mais profundos, pode-se lembrar que era a fase em que a crescente mecanização da indústria mais e mais dispensava o uso da força física, demolindo algumas vigas-mestras da sociedade norte-americana, toda ela construída em cima do ascetismo puritano (a negação do prazer a fim de poupar energias para o trabalho). Na década de 60, o prazer reconquistava suas prerrogativas.
Grandes festivais de rock já haviam ocorrido em Monterey (1967) e na Ilha de Wight. Este último vinha se realizando desde 1968, embora o mais marcante e lembrado seja o de 1970, quando se deu uma das últimas apresentações de Jimi Hendrix.
Quanto a públicos expressivos, também não eram novidade: o festival inglês já reunira 250 mil pessoas.
Mas, foi no de Woodstock que a indústria cultural investiu pesado, pela primeira vez. É que, com algum atraso, os mercadores das artes se deram conta de que tinham um diamante bruto ao alcance das mãos. Prepararam-se, então, para explorar em grande estilo o evento seguinte.
Por último, vale notar que ainda se vivia a época dos compactos, em que eram singles e não elepês que corriam o mundo, com a repercussão dependendo, principalmente, da divulgação nas rádios.
Pouco se conhecia da segunda onda do rock (a primeira, nos anos 50, fora a dos pioneiros Elvis Presley, Chuck Berry, Little Richard, Bill Haley, etc.).
Muitos garotos, como eu, amavam os Beatles e os Rolling Stones. De resto, haviam escutado. “The House of Rising Sun” (Animals), “Sunny” (Johnny Rivers), “A Wither Shade of Pale” (Procol Harum) e quase nada mais.
Existia uma produção musical de grande qualidade represada, não atingindo circuitos mais amplos. Seria a irrupção dessa nova geração de importantes artistas ainda relativamente desconhecidos que asseguraria a surpresa e o enorme impacto causados pelo filme Woodstock e pelo álbum triplo com registros desse evento.
(...)
SÍNTESE DA CONTRACULTURA
Com Woodstock ganhou repercussão ampla o movimento de paz e amor que fermentava na boêmia San Francisco desde meados daquela década, como um desdobramento lisérgico e roqueiro do antigo movimento beatnik
Suas características externas :
- o amor livre e a desinibição corporal, com o nudismo sendo amplamente praticado, de forma inocente e até singela;
- a convivência harmoniosa, sem nenhum resquício de preconceito, entre indivíduos de todas as raças, credos e orientações sexuais;
- o consumo explícito e justificado (por alguns entrevistados, como Jerry Garcia) das drogas que, no entender daquela geração, abriam as “portas da percepção”;
- o visual premeditadamente desarrumado do pessoal, com suas roupas coloridas, ponchos e cabeleiras imponentes;
- a substituição dos laços familiares por uma comunidade grupal (ou, como se dizia então, tribal);
- a volta à natureza e a redescoberta do lúdico (em vários momentos, vêem-se marmanjos entregues a brincadeiras pueris, sem nenhum constrangimento);
a profusão de crianças, pois os hippies mandavam às favas o planejamento familiar, os anticoncepcionais e os abortos, assumindo plenamente o amor e suas conseqüências;
- o solene desprezo pelas regras e valores dominantes na sociedade, que se evidencia até nas falas dos organizadores do festival, não ligando a mínima para os prejuízos que estavam ameaçados de sofrer.
De certa forma, este comportamento era inspirado por teóricos como Reich, Marcuse e Norman O. Brown, que vincularam o autoritarismo político à repressão instintiva, alegando que a liberdade era cerceada não só pelos mecanismos sociais que mantinham a estrutura de classes (visão da esquerda convencional), como também pelos condicionamentos que embotavam a imaginação e inibiam o desfrute pleno da sexualidade.
Essas teses inspiraram uma nova voga anarquista, que pregava o combate ao stablishment também no íntimo de cada pessoa. As drogas serviriam para o resgate de faculdades esquecidas devido ao desuso; e a liberalidade sexual, incluindo as práticas antes estigmatizadas como perversões (homossexualismo, sodomia, sexo oral, masturbação), seria a premissa de uma visão erótica do mundo, em substituição ao princípio da realidade freudiano.
BRASIL: COMUNIDADES E BICHOS-GRILOS
A influência de Woodstock em nosso país pode ser detectada na música (Raul Seixas, Made in Brazil, a última fase dos Mutantes), no teatro (Oficina, Tuca), na cinematografia (o chamado cinema marginal) e, sobretudo, nos costumes, com os bichos-grilos que percorriam as estradas como caronas, indo e vindo à meca de Arembepe (BA), além de criarem comunidades urbanas e rurais onde exercitavam um estilo alternativo de vida.
Essas tentativas, entretanto, esbarraram no ambiente repressivo dos anos de chumbo, o que levou, por exemplo., a ser expulso do Brasil o elenco do Living Theatre de Julian Back, que supôs encontrar aqui seu paraíso tropical; e, em termos mais amplos, na própria impossibilidade de contingentes mais amplos, num país pobre como o nosso, garantirem indefinidamente seu sustento com artesanato, aulas de ioga e que tais.
A grande vitória da Geração Woodstock foi ter conseguido arrancar os Estados Unidos do Vietnã. E seu exemplo repercute até hoje no ativismo em defesa do meio ambiente e a favor de algumas causas justas.
Além disto, ela entronizou a imagem do jovem como centro do universo do consumo, em substituição ao modelo rígido do pai de família, daí derivando a descontração no vestir, no falar e no comportamento.
E ainda lançou alguns modismos que hoje estão em menor evidência, como o ioga, a macrobiótica, o ocultismo e a agricultura natural (sem defensivos e fertilizantes).
Não perduraria, entretanto, aquela militância política idealista e generosa: as gerações seguintes se desinteressaram de mudar o mundo, voltando a priorizar a ascensão profissional e social. O rock, depois de uma fase intensamente criativa e experimental, voltou aos caminhos seguros do marketing.
As drogas, ao invés de abrirem as portas da percepção, se tornaram instrumentos para a fuga à realidade e a ilusão de onipotência, cada vez mais pesadas, até que se chegou ao pesadelo do crack. E o amor livre degenerou em sexo casual, promiscuidade e Aids.
O sonho acabou? Talvez. Mas, quem o partilhou só lamenta que haja durado tão pouco e tenha sido substituído por uma realidade tão insossa.
Eu prefiro mesmo é a postura do inesquecível Raulzito: ele nunca deixou de acreditar que a roda da fortuna giraria de novo, trazendo de volta, desta vez para ficar, o “paraíso-agora!” que iluminou nossas vidas por um fugaz instante… e, mesmo assim, marcou-nos para sempre.
Oh, baby, a gente ainda nem começou!
(http://www.consciencia.net)



Texto 2:

O legado de Woodstock está em debate passados 40 anos


Para as pessoas que participaram do festival de rock em Bethel, ao norte de Nova York, de 15 a 16 de agosto de 1969, o espetáculo anunciava o advento de uma nova era, definida como a fundação da "Nação Woodstock".
Mas a euforia de ontem se transformou hoje em ressaca porque passados 40 anos não ficou claro se o Woodstock conseguiu mudar alguma coisa.
O professor de jornalismo da Universidade Quinnipiac Rich Hanley explica que o festival marcou, na realidade, o fim - e não o início - da revolução dos anos 60 e da contracultura.
"Em 1971, tudo já havia terminado. As manifestações acabaram. A geração Woodstock saiu em busca de trabalho e o trabalho acabou com a diversão".
Segundo Hanley, "os hippies agora se transformaram em republicanos, perderam o cabelo e mudaram o consumo de LSD pelo Viagra".
No museu de Woodstock de Bethel, o diretor Wade Lawrence disse que a geração das flores não teve de esperar muito antes de voltar à realidade.
Menos de quatro meses depois de Woodstock, em dezembro de 1969, um show parecido organizado no autódromo de Altamont (Califórnia) terminou em uma violenta e alucinada batalha campal.
Apesar dos protestos pacifistas, as tropas americanas continuaram lutando no Vietnã até 1973, e um ano mais tarde o escândalo Watergate acabava com a presidência de Richard Nixon.
"Acredito que as pessoas perderam as ilusões", disse Lawrence. "O tema da paz e amor passou a ser algo pitoresco", continuou.
Muito da lenda de Woodstock - a maconha, o nudismo e o pacifismo - faz rir hoje uma sociedade menos ingênua.
Alguns ex-hippies como o fotógrafo Michael Murphree, agora com 56 anos, não se arrependem de sua juventude. "Paz, amor, felicidade: realmente queríamos isso", comenta, com um sorriso, enquanto caminha pelo museu.
Woodstock deixou, em todo caso, um legado que vai além da música e da vestimenta, além das calças boca-de-sino, que, por sinal, voltaram à moda.
Ironicamente, o resultado mais palpável foi a apropriação da música rock pelas empresas como fonte de renda. Os shows passaram de encontros improvisados a operações que geram grandes somas de dinheiro.
"Woodstock mudou a indústria da música", afirma Stan Goldstein, um dos organizadores originais. "Pela primeira vez, pudemos ver o poder que tinham os artistas para atrair multidões", acrescentou.
Ao mesmo tempo, o elemento mais característico e poderoso, uma mistura de mezcla de hedonismo, pacifismo e ativismo político, o que Goldstein chama de "conciência hippy", se evaporou quase que por completo.
A jovem Sarah Duncan, de 26 anos, visitou o museu vestida de hippie, mas admitiu que as pessoas da idade dela não podem compreender o que foi a onda de Woodstock.
"Naquela época as pessoas conseguiam ser livres e ter a mente aberta", disse Duncan. "Mas não imagino, nem eu nem meus amigos, fazendo isso de novo. No máximo, vão ficar bêbados ou doidões, mas nada de paz e amor", comparou.

Apesar de as tropas americanas estarem combatendo novamente em guerras impopulares, Duncan não consegue imaginar sua geração indo às ruas para se manifestar ou cantar em protesto.
"Agora tudo é mais simples; as pessoas dizem o que pensam, mas não querem manifestar nem fazer com isso obras de arte", explica Duncan. "Mandam um e-mail coletivo", resumiu.
(Da AFP Paris)

Texto 3:

O legado de Woodstock – Ruy Castro

A garota foi escovar os dentes e deparou com o bichinho estranho, escuro, de perninhas, pouco maior que uma pulga, contra a louça branca da pia do banheiro. Nunca vira aquele inseto antes. Ficou curiosa e chamou a mãe para espiar. Esta ajeitou os óculos, e o que viu a deixou com os cabelos – textualmente – em pé.
“Um piolho!”, exclamou. Ponha três pontos de exclamação.
O estupor da mãe era compreensível. A última vez que vira um piolho ao vivo fora no carnaval de 1938. E agora estávamos em 1970. Segundo estatísticas que os governos não se cansavam de alardear, e as pessoas sabiam ser verdadeiras, o piolho estava erradicado do Brasil havia mais de 30 anos.
O responsável pelo invasor não pagava dez. Era o filho mais velho – 20 anos, fã de Janis Joplin, barba e gafurinha nazarenas que passavam dias a léguas do chuveiro e que andava pelo Leblon vestindo ponchos e cobertores estilo Woodstock, mesmo sob 39 graus.
Woodstock ou não, a mãe não perdoou. Levou o filho para a área de serviço e aplicou-lhe detefon suficiente para fazer uma nuvem de fumaça – podiam-se ver os piolhos em desespero, agonizantes. Em seguida, cobriu-lhe o cabelo com uma touca de plástico, para exterminar os recalcitrantes. Horas depois, enfiou o garoto no chuveiro, despejou-lhe dois ou três frascos de xampu nas melenas e quase arrancou-lhe o couro cabeludo com um coça-costas de camelô. Em seguida, um pente-fino encarregou-se do mar de lêndeas que infestavam sua nuca. A primeira fase da operação estava completa. Nos dias seguintes haveria outras.
Em agosto, o mundo comemorará os 40 anos do festival de Woodstock. Outros acharão mais pertinente mencionar os 40 anos da volta de uma praga que já se julgava extinta, e que, como qualquer mãe sabe, voltou para ficar. Haja detefon.

Texto 4:
Woodstock: os hippies assumiram o controle

Quatro minutos resumem os três dias de liberdade, de música e de condenação à guerra do Vietnã, e que fizeram de Woodstock tudo o que foi. Foram os quatro minutos de desconstrução do hino americano feito por Jimi Hendrix, o apogeu da carreira do guitarrista.
Depois de uma última apresentação no festival da ilha de Wight (sul da Grã-Bretanha), o artista foi encontrado morto aos 27 anos em 18 de setembro de 1970.
Um mês depois morria Janis Joplin. Sua morte, assim como as de Brian Jones e Jim Morrison, com poucos meses de intervalo, simbolizam o fim de uma época marcada pela experimentação de drogas de todos tipos e procedências.

Mas a maioria dos artistas de Woodstock continua, 40 anos depois, atuando nos palcos. Para alguns, o festival - e principalmente o filme e o disco que registraram o evento - foi um verdaeiro trampolim.
É o caso, por exemplo, do ex-bombeiro de Sheffield que reinterpretou a música dos The Beatles, "With a little help from my friends". Esta interpretação compulsiva fez de Joe Cocker um astro. Depois de cair no esquecimento, voltou a ressurgir milagrosamente na década de 80 com uma série de sucessos como "You can leave your hat on" ou "Unchain my heart".
O Woodstock marcou o começo de Carlos Santana e sua fusão inédita de jazz, rock e ritmos latino-americanos. Em 1999 alcançou o sucesso com "Supernatural", do qual foram vendidas 25 milhões de cópias. O guitarrista, que lançou seu 38º álbum em outubro, pensa hoje em uma reconversão. Quer deixar a música daqui a sete anos para se tornar pastor.
Depois da morte de Keith Moon, o baterista do The Who, a banda se separou em 1982, mas os músicos se reunem periodicamente para dar shows e fazer turnês. Os únicos dois ainda vivos, Roger Daltrey e Pete Townshend, gravaram um novo álbum, "Endless Wire", em 2006.
Graceful Dead já era, em 1969, um papa do 'acid rock'. Desde então, vinha batendo recordes de públicos em shows nos Estados Unidos até a morte do líder da banda, Jerry Garcia, em 1995.
Outro pioneiro do rock psicodélico, Jefferson Airplane, foi se desmembrando pouco depois de Woodstock, mas os integrantes da banda nunca deixaram de se reunir.
Sempre presentes nos principais festivais, Crosby, Stills & Nash continuaram suas carreiras alternando discos solo e na banda, com ou sem o episódico Neil Young.
De todos os artistas de Woodstock, Young foi o que melhor renovou seu estilo, com constantes revisitações ao folk, country e rock de garagem e tentando até explorar a música eletrônica.
Na década de 90, Neil Young se tornou a figura de uma nova geração de músicos (Sonic Youth, Nirvana...) inspirados por sua música bruta e seus textos sombrios.
Em paralelo, muitos músicos mantiveram vivos neles os ideais hippies. Richie Havens, que abriu o festival com "Freedom", se envolveu no ensino da ecologia para crianças, enquanto Joan Baez cantou em favor do sindicato polonês Solidarnosc, do Camboja e, mais recentemente, no Irã.
Quanto ao country Joe McDonald, autor do hino das manifestações contra a guerra do Vietnã, seu compromisso com os veteranos o conduziu ao se tornar especialista da vida da emblemática enfermeira de guerra Florence Nightingale.

(http://musica.ig.com.br/notícias)

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